Quem nunca ouviu essa frase? Ou aquela igualmente famosa e danosa: em casa de ferreiro, o espeto é de pau. Duas coisas que utilizamos como muletas para evitar o trabalho que é enxergar a nós mesmos e aqueles à nossa volta de forma apropriada.
Pois vou lhe contar uma coisa, que levei muito tempo para enxergar, entender e até mesmo aceitar. Santo de casa pode não fazer milagre (porque você não deixa, não acredita, não dá crédito), mas te conhece como ninguém mais. Santo de casa convive com você, te enxerga por um ponto de vista que você não vai ter nunca: o externo íntimo.
Nós todos usamos personas, máscaras de personalidade, em toda e qualquer situação que nos encontramos. Vai me dizer que você é a mesma pessoa com colegas do trabalho, com amigos, com o pessoal da igreja, com estranhos na rua – ou mesmo em situações: com as mesmas pessoas do trabalho você age diferente num happy hour, numa reunião de sua área e numa reunião com o cliente. Nós somos assim, nós fazemos isso por uma questão de adequação e de sobrevivência. Nossos instintos fazem com que nos adaptemos às situações, ambientes e pessoas, desde a pré-História.
Em casa, não. Em casa e, principalmente, cercado das pessoas em que você ama, confia, convive, em seu “ambiente seguro”, sua “zona de conforto”, você é quem você é de verdade. Você não precisa fingir um elogio, um sorriso amarelo, esconder um peido, usar palavras socialmente aceitas, abaixar o tom de voz pra não ser considerado assédio, vestir roupas que transmitam uma mensagem de algo que você não é. Você é você, o seu melhor e – especialmente e mais cruel – o seu pior. E é aqui que eu queria chegar.
Por que você reserva o seu pior para quem merece o seu melhor?
Já reparou nisso? Você usa a sua “liberdade de ser quem você é” para justificar grosserias, agressividade gratuita, explosões, xingamentos, deboche, falta de respeito das mais diversas categorias, simplesmente porque você acha que aquelas pessoas te conhecem o suficiente para entender quando você está sendo sincero ou só desabafando algo que teve que engolir, e te amam o suficiente para relevar isso tudo. Mas não é inteiramente verdade. Tudo tem limite.

As pessoas que estão do seu lado e te conhecem como ninguém, e são aquelas pessoas com quem você sabe que pode contar em qualquer momento, também – olha só – possuem sentimentos, se magoam, também possuem suas próprias questões pra lidar, também podem estar num dia complicado e precisando de atenção, também se sentem carentes, adoecem, envelhecem, etc. Você não é o alecrim dourado que precisa ser entendido e respeitado sempre, ao passo que você não faz o mesmo com quem está ali. E sempre esteve.
Spoiler da vida adulta: você tem que lidar com suas merdas pra não sobrecarregar ninguém. O mundo não gira ao redor do seu umbigo.
Olhe com carinho pra você, entenda suas tretas, valorize suas qualidades e principalmente enxergue e aceite seus defeitos como defeitos, não como características. Você não é Gabriela, Cravo e Canela “eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim”. Defeitos, falhas, são questões, são problemas e precisam ser encaminhados e tratados como tal. Dessa forma você poderá abrir espaço nesse véu de “meu jeitinho” que você usa pra esconder suas fraquezas em forma de agressividade e enxergar quem está do seu lado (e isso não significa necessariamente “ao seu lado”, porque muitas vezes quem está na sua órbita pode não estar exatamente torcendo por você, aprenda a diferenciar) e valorizar também.
Seja apoio, ouça conselhos, ouça críticas – sei que é difícil – avalie e melhore, peça desculpas quando errar, use comunicação não violenta (ser assertivo não é ser agressivo), busque ser uma pessoa melhor – pra você, para os que estão do seu lado, para o mundo.
Exige trabalho, mas vale a pena. Reflita.
Fotos do texto por Toa Heftiba e Nik Shuliahin.