Adobe, Affinity, Canva e o futuro da Interface

Interface do futuro

A Internet sacudiu nos últimos dias de outubro com anúncios da gigante do mercado de design Adobe – em seu evento Adobe Maxx – e alguns anúncios de um rival que vem crescendo entre designers iniciantes e consumidores não-designers: o Canva. Um dos anúncios acabou por abalar um pouco a comunidade de design, a compra da plataforma Affinity e o lançamento de sua versão 3 com o anúncio de que agora é um software gratuito.

O Affinity já se posicionava no mercado como uma alternativa sólida e compatível à Adobe. E a versão 3, unindo três softwares em um só, vem ser uma boa solução para designers iniciantes e experientes que estão cansados dos valores cada vez mais altos cobrados pela Adobe em sua assinatura. O Affinity que já era vendido como pacote one-time-fee, ao invés de uma assinatura, agora é gratuito e, em um mesmo arquivo de extensão .af, pode-se trabalhar vetor, pixel e layout, suprindo o trabalho de 3 softwares da Adobe: Illustrator, Photoshop e InDesign, respectivamente. Incluindo compatibilidade com os arquivos originalmente criados com os softwares da gigante rival.

Após os anúncios houve manifestações de todos os tipos, contra e à favor da Adobe, além de questionamentos naturais sobre preços, compatibilidade, aceitação do mercado e outros mais mesquinhos com relação ao conhecimento técnicos de quem prefere uma ou outra plataforma. O que não é necessariamente verdade.

Embora todos os lançamentos de concorrentes impactem no mercado em algum nível, a Adobe é uma gigante e uma prova viva de que uma empresa digital pode sobreviver por décadas e se adaptar para continuar dominando. Porém, também é verdade que a Adobe está numa tendência decrescente há algum tempo. Veja o gráfico abaixo com o valor da marca na Nasdaq nos últimos 12 meses.

Adobe Nasdaq

A mordida foi grande, quase 30% de desvalorização em 12 meses, mas ainda é uma empresa de 142 bilhões de dólares. Para efeito comparativo, a Canva está avaliada em 42 bilhões. É um valor impressionante, pois a Canva foi fundada em 2012 e a Adobe em 1982, são 30 anos de diferença no mercado. No mesmo 2012 foi fundada também a Figma, que atualmente tem o valor estimado em 70 bilhões (metade da Adobe) e está correndo por fora em outro terreno que a Adobe também concorre: o design de interface. A Figma possui uma versão gratuita de seu software e 13 milhões de usuários mensais.

Com boas soluções gratuitas e poderosas no mercado, não é preciso ter informações privilegiadas para saber que a Adobe está ralando para liderar e manter uma posição há muito estabelecida. Apesar disso, não são somente essas soluções que ameaçam o monopólio da Adobe. A maior ameaça se chama Inteligência Artificial.

O crescimento da IA no design

Ferramentas de IA tem surgido aos montes e com saltos cada vez maiores de evolução tecnológica. Se há um ano a geração de imagens e vídeos simples eram o ápice da inovação, hoje quase todas as IAs líderes de mercado possuem funcionalidades de imagem, vídeo, animação, vetor e até mesmo geração de arquivos 3D, como o padrão STL. E os resultados impressionam: fotos realistas, vetores precisos, plantas baixas que levariam muitas horas, feitos em apenas alguns segundos. Isso impactou diretamente ferramentas de criação.

A Adobe vem integrando ferramentas de IA em seus softwares, modelos novos como o Nano Banana do Google, mas ainda não está entregando o que seus acionistas e o mercado esperavam. Isso impulsiona a queda das ações muito mais que a concorrência das ferramentas de design tradicionais. IA não é o futuro, é o presente. A Adobe sabe disso, da mesma forma que a Canva sabe, a Figma e outras ferramentas de criação disponíveis, gratuitas e pagas.

O futuro do design de interface

A Adobe surgiu quando os designers focavam principalmente em impressos. A adoção de DTP (editoração gráfica digital) veio para facilitar a vida de quem fazia impressos e o primeiro produto da empresa sequer foi um software, mas uma linguagem de impressão, a PostScript, que é utilizada até hoje, se tornou padrão de mercado. Um mercado que era dominado pelo QuarkXPress desde 1985, quando em 1994 a Adobe comprou o PageMaker da Aldus e substituiu pelo InDesign 5 anos depois. A interface era o papel.

Com a popularização dos computadores pessoais e a criação das interfaces gráficas – junto com o surgimento da Internet em 1995 – surgiu o papel do design de interface de usuário (UI), começando nos computadores e – com o passar dos anos – passando por diversas outras telas, entre as quais podemos destacar a TV, tablet e smartphone. A interface visual criou um novo mercado para designer e softwares de design, e a Adobe não deixou de participar também desse nicho, tendo lançado ou comprado produtos de sucesso como o Photoshop, o Fireworks, Flash, DreamWeaver e XD, entre outros, com versões para Windows, MacOS e iPad.

Claro que no caminho outros softwares existiram e competiram diretamente, alguns conseguindo bater de frente com a Adobe, ganhando ou dividindo o mercado. Mas enquanto a Adobe foca em softwares separados com especializações muito definidas (Illustrator pra vetor, Photoshop para imagens, LightRoom para fotos, inDesign para editoração, etc), alguns concorrentes buscam a integração da solução completa – como a Affinity que parece mirar no impresso, a Figma aponta para o digital com sua solução que vai do protótipo ao código de forma integrada e também incluindo IA para facilitar.

Porém quando falamos de interface, não é necessariamente visual. Já há alguns anos estamos falando e criando interfaces conversacionais, que fazem uso de chatbots e automações para execução de tarefas que facilitam a vida tanto de pessoas que possuem dificuldades na utilização de interfaces gráficas, quanto aquelas que preferem interagir como se estivessem conversando com alguém. Um movimento muito presente em pessoas idosas, por exemplo. E se esse movimento já vinha crescendo por conta de serviços como o Whatsapp, com a chegada das IAs isso se amplifica.

Se antes, tudo começava com uma busca no Google, hoje muitas buscas já começam no chatGPT.

As pessoas estão se acostumando tanto com as IAs que começam uma busca na Internet perguntando ao chatGPT (a IA mais difundida por enquanto). Obviamente o Google percebeu isso rápido e implementou sua própria IA na busca, e tenta usá-la no máximo de buscas que consegue. Os resultados são os mesmos de sua base, porém, a forma de apresentação – que é um texto explicativo, quase uma conversa – tem um impacto muito mais positivo que uma simples lista de links. Isso é design de interface, isso é experiência do usuário.

Algumas IAs já apresentaram interfaces de voz para interagir com os usuários e o sucesso de assistentes pessoais domésticos, como a Alexa, Siri e Google, nos aponta o que pode ser o futuro da interface em uma linha do tempo não muito distante. Muitos aplicativos móveis já estão usando voz como interface, como o Waze – para relatar problemas no trânsito (e evitar acidentes). Aliando dispositivos móveis e vestíveis como relógios e óculos, inteligência artificial e interfaces por voz, podemos ter muito em breve uma migração grande de usuários para um mercado ainda inicial e gerar uma demanda grande por softwares especializados para design de interfaces não visuais.

Claro que, assim como a TV não matou o rádio e a Internet não matou o jornal, ainda teremos demanda para design visual por décadas, talvez séculos à frente. O mercado não vai pivotar para outra direção de forma abrupta, e talvez apenas criemos mais um nicho, como criamos o nicho da interface 40 anos atrás. Mas a pergunta que fica é:

Quem será a gigante desse novo nicho, se houver uma?

Compartilhe esse texto via:

WhatsApp
LinkedIn
Facebook
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *